quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O REINO DE VALDECACOS

Estou a escrever no primeiro dia de Agosto de um verão incaracterístico, diferente dos anteriores, não só em termos climáticos mas também em termos de bulício, de negócios, de indústria, de comércio, enfim da vida no seu todo. O reino de Valdecacos bateu no fundo, bem no fundo, como nunca os seus habitantes puderam imaginar! Encontramo-nos de tal maneira depauperados e sem gente, que já nem os emigrantes conseguem fazer a diferença.
As esplanadas dos cafés estão vazias, as “voitures” de matrículas coloridas e com numeração esquisita já não param em frente aos comércios, nos talhos a carne fica nos frigoríficos, nas agencias imobiliárias ninguém procura terrenos ou apartamentos para comprar, os restaurantes “passam-se” com falta de clientela, o vinho o azeite e a castanha que são os três pilares da agricultura do reino, tiveram um ano péssimo para esquecer! E o que fazem os nossos políticos perante tamanho descalabro? O que pensarão eles da situação a que chegamos? Qual o sentimento que predominará na mente do Barão de Ferreiros Dom Xico Minrandum quando no Mercedes oficial percorre as ruas desertas do reino de Valdecacos e vê os comerciantes à porta sem nada para fazer? E o que sentirá, como aconteceu no fim-de-semana passado, quando chegou a casa no vizinho reino de Mirandum e vê uma cidade inundada por milhares de forasteiros, palco duma prova do campeonato europeu de jet-ski, com festival aéreo à mistura? Sentirá inveja? Sentirá vergonha? Ou sentirá a indiferença dos que sabem que o jogo está controlado e nada disto lhe afectará o poder?
O que sentirá o Visconde de Celeirós Dom Toninho Castanheiros, quando vê que os jovens da sua e das freguesias vizinhas têm de emigrar novamente por esse reinos da Europa, porque aqui não lhes foram criadas as condições para governarem a vida? O que sentirá quando todas as semanas, todos os meses, todos os anos, os velhos que ficaram e sempre lhe confiaram o voto, vão morrendo um a um (precisamente porque são velhos), sentirá pena? Acredito que sim. Sentirá que a sua vida está governada, que só fará mais um mandato, que quem vier depois que se amanhe? Também acredito que sim.
O que pensará o Marquês de Calavinhos Dom Milkes Varredor, quando no Mercedes não oficial passa em frente aos stands ilegalmente localizados, no fim de quase três anos de responsabilidade pelo ministério do urbanismo? Pensará ainda mandá-los para a zona industrial, sítio isolado e sem características comerciais, condenando-lhes o negócio já de si fraco a extinguir-se por completo? Pensará que não tem poder para resolver a situação e fazer cumprir a lei? Sentirá que é uma questão de competência ou de falta dela?
O que sentirá o Visconde de Valverde Dom Vitinho Corócóccó, quando vê abrir uma piscina com meia dúzia de anos de atraso, com balneários por acabar, e sendo a última e consequentemente mais moderna da região, é por toda a gente classificada como a pior, comparada apenas com as dos reinos limítrofes? Sente-se envergonhado? Ou espantado? Lá para o reino de Vila do Conde onde mora, não se vêem destas coisas não é? Pois…
O que sentirá a Baronesa de Campo D’égua, Dona Carmensita Tramas quando vê fotografias do pavilhão multidesusos de terras de Montenegro, já com evidentes sinais de degradação, uns meses após a inauguração? Incredulidade? Desespero?
O que sentirá o genro do Marquês de Vilarandelo Dom Tetantero, quando vê os jogos de poder e intrigas palacianas dentro da nomenclatura laranja? Surpresa? Repulsa?
O que sentirá a Marquesa da Fredizela Dona Suprema Bonçalo quando vê o povo perante toda esta situação manter-se manso, ordeiro, previsível e cacicado? Sentirá raiva? Incapacidade? Frustração?
Será este o estado de espírito dos membros do executivo do reino de Valdecacos, ou serão apenas conjecturas dum escriba, a quem o sol e a seca prolongados deram volta ao miolo?
Até breve.
Publicado no Jornal "Tibuna Valpacense" em 05 de Agosto de 2008