segunda-feira, 21 de março de 2011

CRÓNIAS DO REINO IV SÉRIE

Tive um encontro imediato de 3º grau. Decorriam na modorra habitual os últimos dias de Outubro do ano que findou, neste triste reino de velhos e compadrios, perdido no meio das serras duma”jangada de pedra” cujo final de viagem se antevê trágico. De repente uma luz branca e intensa mais brilhante que o sol (onde é que eu já li isto?), entrou na minha cabeça e fragmentou-se em biliões de estrelas cintilantes que me levaram para um mundo com dimensões completamente desconhecidas e estranhas para mim. Contactei com gente de outras galáxias com um nível de conhecimento muitíssimo superior ao nosso, senti uma paz interior e um sentimento de felicidade indescritíveis, estive em locais que vão para além da imaginação, desloquei-me à velocidade do pensamento que é muito superior à da luz, tive a percepção plena como é pequeno o nosso reino e primitivo o nosso mundo.
Durante mais de três meses percorri sistemas estrelares e galáxias inatingíveis, vivi numa dimensão completamente desmaterializada, os extra-terrestres entraram no meu corpo e eu no corpo deles, tenho a vaga ideia de me ter sido implantado um “chip” no cérebro para que a nossa comunicação fosse perfeita, como de facto aconteceu.
Regressei há pouco tempo e tenho estado a recuperar, pois não é fácil voltar a uma existência terrena, num corpo já meio gasto, depois do transcendente encontro imediato de 3º grau. Esta é a explicação pela minha ausência forçada deste contacto que convosco tenho mantido ao longo dos anos.
Foi enorme o meu espanto, quando por motivos de saúde relacionados com a estranha situação que acabei de vos relatar, me dirigi ao hospital de Valdecacos que encontrei encerrado e com enorme cartaz pendurado na fachada com as seguintes parangonas de alto a baixo: “A CONFRARIA QUER ABRIR O HOSPITAL”. Achei estranhíssima a situação e dirigi-me ao Centro de Saúde onde um cartaz ainda maior pendurado na frontaria dizia: “O GOVERNO QUER FECHAR ESTAS INSTALAÇÕES”. Cada vez mais perturbado, caminhei em direcção ao centro da cidade, quando reparei que no edifício da Câmara Municipal também estava pendurado um enorme cartaz de cor rosa com a seguinte mensagem: “O PRESIDENTE FARTO DO PODER QUER QUE OS MUNICIPES VOTEM NA OPOSIÇÃO”. Resolvi então apanhar um táxi para me levar ao serviço de urgências do hospital do reino da Flávia, na esperança de ver o meu problema resolvido, pedi ao taxista para passar na cooperativa do azeite, comprar um garrafão de “rosmaninho” e oferece-lo ao porteiro da urgência para um melhor e mais rápido atendimento! Espantei-me novamente com um cartaz na fachada da cooperativa oleícola que dizia o seguinte: “A DIRECÇÃO QUER QUE OS SEUS ASSOCIADOS ARRANQUEM AS OLIVEIRAS E FAÇAM LENHA QUE O INVERNO VAI SER RIGOROSO”. Já completamente desorientado e munido do “rosmaninho” para untar as mão do porteiro do hospital de Flávia, onde depois de analisado, inquirido, observado e radiografado, fui ao fim de oito horas transferido para o Porto em ambulância paga pelo estado. O bombeiro fervoroso adepto do FCP fez um desvio pelo dragão onde adquiriu uns bilhetes para vender na candonga, que a vida não está fácil. Foi então que deitado na maca, por uma nesga do vidro da ambulância, vi um grande cartaz vermelho pendurado na entrada principal do estádio do dragão onde estava escrito em letras brancas garrafais: “A DIRECÇÃO DO FCP QUER O ESTÁDIO DO DRAGÃO CHEIO DE BENFIQUISTAS”.
Quando contei toda esta história, os meus medos, a minha estranheza, os cartazes sem nexo, ao médico que me atendeu no Santo António, observei-lhe um sorriso tranquilizador na face, e enquanto me auscultava foi-me dizendo com uma expressão matreira de quem está senhor da situação: - este ano o carnaval começou mais cedo!!
A confraria fechou o hospital? Está à vista de todos!! Vai voltar a abrir? Eles dizem que sim e ainda com melhores serviços, pois em vez de médicos especialistas vão ser os autoproclamados sábios a trabalhar no hospital, tendo já sido distribuídas as respectivas valências a saber:
O Marquês de Alfarelos filho de El Rei Dom João VI, vai ficar com a valência de otorrino pois aquilo é só garganta…
O Visconde da Foz Dom Pimentel da Botica ficará com as análise clínicas e organolépticas por motivos que são óbvios…
Ao Dom Gualter de Los Jamones Conde de La Bodega, foi-lhe atribuída a consulta de oftalmologia pois não há melhor olho para o negócio…
O Marquês de Viagreta Dom Geninho Três Ais, com o cargo vitalício de confrade-mor, fica com a consulta de ginecologia e doenças ano-rectais, pois como dizia S. Tomás de Aquino, “ a experiencia é madre de todas as cousas”…
Ao Conde da Betoneira Dom António Sulfuroso, foi-lhe distribuída a valência de ortopedia por ser entendido em cimentos…
O escriba-mor do reino Dom Pires Zás Trás fica responsável pela terapia da fala, porque a escrita já não tem remédio…
Ao Barão de São Pedrinho Dom Luís Maleitas, foi-lhe distribuída a responsabilidade da farmácia, pois o Visconde da Foz Dom Pimentel da Botica já velho e cansado deixou-se ultrapassar…
O Barão do Cossacos e Visconde de Tirapicos Dom Pernache da Lousa, fica com as consultas de psicologia, pois são difíceis, demorados e misteriosos os caminhos que levam ao poder…
Por último ao adorador da Deusa de Khali e Alcaide de Sem Fins, foi-lhe atribuída a contabilidade e o aprovisionamento, enquanto não se arranja acordo com o ministério para a especialidade que ele tanto almeja e que estará mais de acordo com as competências que toda a gente lhe reconhece.




PS: Não é o estilo mais ou menos brejeiro, ou mais ou menos jocoso com que escrevo e a que os meus leitores se habituaram, que retira da situação dramática em que se encontram os trabalhadores do hospital e as suas famílias. Para os doentes que se viram privados de uma unidade de saúde e para todos os trabalhadores sem excepção que a souberam dignificar, toda a minha solidariedade.

Até Breve
Plublicado no Jornal Trinuna Valpacense em 05 Março de 2011