segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O REINO DE VALDECACOS

Já lá vão seguramente quinze ou mais anos que foi dada à estampa a primeira crónica do reino, no entretanto extinto Jornal de Valdecacos, cujo director e proprietário Dom Segafredo Terroso, Barão das Padanas, viu como muitos outros hoje em dia a vida andar de roleta, tendo que procurar noutras paragens o sustento que aqui não conseguiu. Esta terra que tão bem trata os políticos que estão no poder, onde ganham chorudos ordenados que não investem cá, tem sido por vezes bem madrasta para os seus próprios filhos. Poderia dar-vos inúmeros exemplos de filhos da terra que tiveram de ir embora para governar a vida, todos vós conheceis situações dessas, multiplicai-as por todos e cada um de nós e vede a situação catastrófica a que chegamos…
Por outro lado, observai as instituições do reino de Valdecacos, as pessoas que lá trabalham, principalmente os que chefiam, os quadros técnicos e superiores, sejam eles políticos, gerentes, chefes de divisão, de repartição, de posto, engenheiros, médicos, enfermeiros, professores, directores, presidentes, tudo gente com ordenado a rondar o meio milhar de contos e alguns “upa upa”. Qual a percentagem deles mora no reino e investe cá? Dez por cento? Que tipo de atractivos terão que ser criados para esta gente? Que exemplo é que estas pessoas que ocupam a escala média-alta da sociedade dão ao povo?
O sentimento de desertificação e de descalabro económico-financeiro, intensifica-se neste mês de Setembro, de forma abrupta logo após as festas do reino. Quem percorre as ruas de Valdecacos logo após o jantar, agora que as noites começam a arrefecer e um friozinho nos entra até aos ossos ainda pouco agasalhados, julga-se um personagem dum qualquer filme de suspense do Alfred Hitchcok, movimentando-se no meio do silêncio e de sombras.
A capital do reino de Valdecacos, com o título de cidade e desde há vinte e cinco anos imaginada, projectada, arquitectada, saneada, empedrada, alcatroada, requalificada e governada mas não habitada por um homem, o Barão de Ferreiros Dom Xico Mirandum, é o exemplo cabal de tudo o que escrevi até aqui. Imaginai um casal, homem e mulher (que agora andam para aí a falar noutras uniões), que tomam juntos o pequeno-almoço e almoçam também um com o outro. Não discutem muito a situação familiar pois ele é do género “posso quero e mando”, tendo ela de ficar-se pelo “cala e consente”. Ao fim da tarde fazem um lanche rápido, ele levanta-se dá-lhe um beijo na cara, diz até amanhã, jantando e dormindo fora de casa há vinte e cinco anos.
Qualquer conselheiro matrimonial diria que é impossível uma relação destas comemorar as bodas de prata, no entanto é o que se verifica entre Dom Xico Mirandum e a capital do reino. Vocês conseguem imaginar a carência desta terra tratada desta maneira vai para um quarto de século?
A capital do reino precisa dum homem, que a convide para jantar à luz das velas, no menu cabe bem um cabritinho de leite da serra de Santa Comba, com batatinhas novas assadas no forno e grelos salteados. Tudo isto regado com um tinto “encostas do rabaçal reserva”, servido em balão de cristal, para brindar no momento certo. Dum homem que a leve depois a passear ao jardim que lhe pegue na mão com delicadeza, que suba com ela as escadas do coreto, e lá em cima olhos nos olhos, sob os raios do luar que atravessam as palmeiras centenárias lhe jure amor eterno. Dum homem que a leve em seguida ao “calheia-bar”, para relaxar um pouco com a música ambiente, beber umas caipirinhas como só o Toni sabe preparar, observar a juventude do reino, auscultar os seus anseios e preocupações. Dum homem que a leve depois a dançar à “quinta D. Adelaide”, magnifico espaço construído pelo Barão da Torralta Dom Teotónio Limões, dar um revigorante mergulho na piscina já de madrugada, com as luzes todas acesas naquele espaço envolvente digno de uma história das mil e uma noites, amando-a de seguida na relva até o sol raiar.
O futuro do reino de Valdecacos estará então garantido, não mais haverá lojas vazias, vivendas e andares encerrados, os filhos multiplicar-se-ão, voltaremos a ouvir o alarido das crianças no recreio das escolas e as pessoas dirão com orgulho, eu vivo no reino de Valdecacos.
PS: Aqui há dias passei no largo do Perdido, e fiquei agradavelmente surpreendido pelo conjunto da casa e jardim onde habitam o Visconde da Foz Dom Pimentel da Botica e respectiva família. Aí está um exemplo de amor à terra que deveria ser seguido por todos (particulares e instituições). Daqui envio os meus sinceros parabéns pela obra realizada, em particular à esposa do Visconde da Foz herdeira de antiquíssimas linhagens templárias.
Até Breve
Publicado no jornal "Tribuna Valpacense" em 30 de Setembro de 2008