Esta é a crónica de uma morte
anunciada. A notícia chegou dura, fria, breve e seca. O Marquês do Correio
Velho Dom Rubio Soutinho faleceu vítima de doença prolongada.
Personagem há uns anos arredado
destas crónicas, foi um destacado natural do reino de Valdecacos que correu
mundo, vencendo inúmeras batalhas contra um destino que por vezes lhe foi
adverso, mostrando sempre uma vontade e uma perspicácia fora do comum.
De Angola à Africa do Sul, do
Brasil a Espanha, dos reinos da Maia a Valdecacos, a sua vida daria um filme em
que se conjugariam todos os géneros cinematográficos, desde a aventura à
guerra, do ódio à paixão, do drama à comédia.
Foi ele o pilar em que assentou a
geminação dos reinos da Maia e Valdecacos, quando nos tempos áureos do
cavaquismo, se movimentava como peixe na água nos círculos do poder.
Amigo dos amigos (poucos), implacável
com os inimigos (alguns), amigo dos prazeres da vida e da mesa, ficaram célebres
algumas festas de aniversário em que chegou a juntar algumas centenas de
pessoas em lautos almoços e jantares.
Crítico da “abrilada” (25 de
Abril), fazia questão de se ausentar todos os anos do condado Portucalense no
dia 24 regressando apenas a 26 de Abril. Nas curtas estadias que ao longo dos
anos passou no reino de Valdecacos, costumava juntar um grupo de amigos da
velha guarda em opíparos lanches que se prolongavam por tardes inteiras e por
vezes continuavam noite fora, a que chamava reuniões do “Conselho da Revolução”
numa paródia conseguida ao dito cujo, onde na altura pontificava o Rosa
Coutinho conhecido como o “Almirante Vermelho”, a quem o Marquês do Correio
Velho Dom Rubio acusava de ter entregue o reino de Angola aos comunistas.
Eram membros efetivos do Conselho
da Revolução de Valdecacos o Dom Rubio, o Dom Armandinho, o Dom Maximiano, o
Dom Amândio e o Dom César, seguindo-se como suplentes o Dom Abreu e o Dom
Aguiar, e como observadores o Marquês de La Frontera Dom Corleone de La Mancha
e o Marquês do Pereiro Dom Alfonso de La Niña. Havia depois alguns personagens
que de acordo com as circunstâncias e os humores do Dom Rubio eram esporadicamente
convidados para algumas reuniões do Conselho.
A todos o Dom César batizava, e
não foi fácil conseguir esta informação, mas deixo-vos algumas das nomeadas que
ele utilizava e a vossa imaginação que as correlacione com as personagens
respetivas.
O Caudilho, o Chalato, o Vilaranda, o Lafusco, o Guiças, o Sineiro, o
Carqueja, o Pelinhas, etc, etc.
Já não resta nenhum dos membros
efetivos do Conselho da Revolução de Valdecacos, é mais um virar de página na
historia deste reino, que mais de 20 anos depois da geminação com o reino da
Maia, tem visto outro gémeo a crescer em população e em desenvolvimento,
enquanto nós vamos definhando e empobrecendo alegremente, sem que se vislumbre
uma alternativa às politiquices que nos levaram a esta situação, o que me lava
a pensar que o reino de Valdecacos mais que um Conselho da Revolução, precisa
de uma revolução no concelho.
Ao fim de 42 anos no reino de
Valdecacos o Arcipreste Dom Papalves rumou ao reino de Perafita, para um
merecido descanso. Algumas atitudes polémicas e o feitio barrosão causaram
dissabores a alguns paroquianos e ao próprio. Num percurso tão longo no tempo
tem forçosamente que haver altos e baixos, e tal como Salazar, mentor de alguma
igreja antiquada e retrograda, quando se permanece em cargos de chefia ao longo
de décadas, normalmente as entradas são de leão e as saídas nem por isso!
Seja como for, o largo da igreja
do reino de Valdecacos não voltará a ser o mesmo sem o Arcipestre Dom Papalves
de um lado e o Marquês do Correio Velho Dom Rubio Soutinho do outro.
Que o Dom Papalves encontre
finalmente a paz de espirito que as beatas e os beatos aqui nunca lhe
permitiram ter, e que o Dom Rubio Soutinho reúna rapidamente o Conselho da
Revolução lá no céu, pois o Dom Armindo dos Possacos arranjou lá um cantinho aprazível
onde todos já se encontram à espera, para uma tarde bem passada.
Até Breve
Publicado no jornal "Tribuna Valpacense" em 10 de Novembro de 2012