sexta-feira, 15 de março de 2013

CRÓNICAS DO REINO IV SÉRIE


Estas crónicas alimentaram-se durante quase trinta anos nas peripécias de um pequeno personagem que o Marquês de Croft Dom Manolo Primo de Rivero apelidou com alguma ironia de Tamagoshi, devido à sua pequena estatura, ao bigodito que acabou por sacrificar por motivos de ordem eleitoral, e à maneira rápida e cadenciada de ler os discursos, com um certo acento nipónico que deixava o povo de boca aberta e olhos arregalados de espanto pois não entendia absolutamente nada, facto esse que acabou por beneficia-lo em termos eleitorais, pois como todos sabemos os discursos dos políticos não são para entender mas sim para aplaudir.
É pois para mim extremamente difícil continuar a escrever as cronicas do reino sem ver diante dos olhos o japonesinho irrequieto e irrascível, que durante tantos e tantos anos foi fonte de inspiração e de brincadeira inocente, pontuada de quando em vez por uma certa picardia como convém nestas situações.
Estou pois seriamente a pensar por um fim nas crónicas do reino, também me sinto no direito a um merecido descanso, quem sabe rumar ao nordeste do reino do Brasil, comprar uma cabana de pescadores numa daquelas praias paradisíacas, refrescar-me com uma água de coco, degustando camarão frito e umas patas de siri, subindo e descendo as dunas e as bundas, que naquela região são das mais bonitas do mundo.
È este o sentimento que me invade o coração e me amolece a alma! A partida do Barão de Ferreiros deixou-me esta imensa nostalgia e não me parece que qualquer dos outros personagens da aristocracia do reino de Valdecacos, consiga preencher este vazio deixado por Dom Xico Mirandum.
O Barão de Ferreiros conduziu o reino de Valdecacos ao sec.XXI da mesma maneira que se conduz o comboio numa montanha russa. A viagem tal como os discursos foi rápida e acidentada, com voltas reviravoltas e rodopios tal como convém numa montanha russa, mas sempre dentro dos carris que volta após volta apontavam sempre na direção da eleição seguinte.
Ano após ano, volta após volta, eleição após eleição, lá conduziu o Barão de Ferreiros o comboio, serra a cima montanha abaixo, o povo de início como era novidade gritava de contentamento com a velocidade imprimida, as curvas apertadas, as descidas rápidas e as voltas de cabeça para baixo. Depois começou a cansar-se de andar com a cabeça à roda, e os mais novos começaram a saltar do comboio em andamento arriscando a própria vida, outros não puseram cinto de segurança e foram cuspidos, e quando Dom Xico Mirandum deu conta mais de metade da população tinha abandonado o comboio e envergonhado com isso, decidiu abandoná-lo também. Entregou o posto de maquinista ao homem do carvão, que durante os anos de viagem não fez outra coisa senão obedecer ao Barão de Ferreiros, que no final de cada volta lhe ordenava alto e bom som “bota carvão à máquina”.
E o comboio lá continua agora sem maquinista e também mais devagar que o habitual pois o carvão vais escasseando e já não tem a mesma qualidade. De vez em quando ouve-se uma voz no meio da populaça dizer para o homem do carvão “bota carvão à máquina”, e o homem do carvão já cansado e a pensar que ainda tem de “botar carvão à máquina” durante mais dois anos e que o novo maquinista em vez de ser ele vai ser o calcinhas do revisor. 


Até Breve
Publicado no jornal "Tribuna Valpacense" em 01 Março de 2013