terça-feira, 3 de março de 2009

O REINO DE VALDECACOS

Em tempos que já lá vão, quando numa crónica vos tentei explicar as origens do reino de Valdecacos e a raiz etimológica da palavra, que resultou da junção dos nomes Balde e Cacos, que foram os dois povos que inicialmente povoaram estas terras, obriguei os três historiadores oficiais do reino a efectuarem um desenfreado trabalho de pesquisa nos catrapázios da Torre do Tombo. O Barão do Tanque Novo Dom Jota Xitunda, com os óculos na ponta do nariz, por entre espirros provocados pela poeira acumulada nos velhos livros, nem queria acreditar que no meio dos Celtas, Suevos, Vandalos, Iberos, e Lusitanos, lá estavam os Baldes e os Cacos. Conferenciou durante várias tardes com o Morgado de São Francisco Dom Catalone El Bone à acerca do assunto e ainda chamaram à liça o decano dos historiadores Dom Godofredo Tinto, Marquês dos Possacos, que trouxe alguns alfarrábios encontrados no sótão do Solar dos Pimenteis, onde encontraram várias citações que corroboram esta teoria.
Vem tudo isto a propósito da situação a que chegou este desditoso reino! O que existe agora, tem tão pouco a ver com o que existia quando no século passado comecei a escrever estas crónicas, que estou a pensar seriamente em enviar um requerimento às Cortes do reino de Valdecacos, para que numa próxima assembleia e com a pompa e circunstâncias exigidas, em acto solene e perante as forças vivas da terra, o nome de Valdecacos seja substituído por Vendessapos. Evidentemente que há uma explicação para isto! Mesmo aqueles que não são barras na língua de Camões, sabem que a junção da palavra vende com a palavra sapos resulta em Vendessapos. Ora por todo o reino, de acordo com o gabinete de estatística do governo de Dom Xico Mirandum, existem 13486 placas com a palavra “VENDE-SE”, isto no dia 31 de Dezembro do ano da graça de 2008 que agora já devem ser bem mais.
Por outro lado, devido à forte emigração que ultimamente se tem sentido, a inauguração do monumento ao emigrante parece que incentivou as pessoas a seguirem-lhe o exemplo, levou quase todos o jovens e menos jovens mas ainda com alguma capacidade de trabalho e discernimento, a fugirem a sete pés para bem longe desta malfadada terra. Os poucos que ficaram quase todos com braços e pernas fininhos, pouco aptos para o trabalho, mas com a barriga muito proeminente, não sabemos se gorda se inchada, parecem batráquios, que o povo designa por sapos, que passam a vida a coaxar lamúrias, arrastando-se de charco em charco, à espera de algum subsídio. Quanto mais alto coaxam mais probabilidades têm de obter o subsídio. Imaginai agora o barulho que dia e noite se ouve ali para os lados do jardim…
Antigamente na capital do reino só havia um sapo cocas, agora são às centenas, mas ao contrário do sapo ADSL não vivem a assapar, mas rastejam em peregrinação entre o jardim e o gabinete do chefe do governo, subindo e descendo as escadas aos saltinhos coaxando por subsídios. Não quero terminar esta crónica sem prestar homenagem à memória dum bom homem prematuramente desaparecido. Trata-se do Visconde das Lagoas Dom Hélder Tormento, oficial de justiça do Rei, amigo da noite e da boémia, que em madrugadas de tertúlia quando a conversa puxava ao sentimento motivado pelas agruras da vida e pela incompreensão dos conterrâneos tratava o terra por Valdessapos.
A inspiração para esta crónica devo-lha a ele. Que descanse em paz.



PS: Os rigores do inverno que este ano se tem feito sentir, têm quota-parte de responsabilidade na mortandade que nos últimos meses grassa no reino. Os velhos e alguns novos caem como tordos! Em ano de eleições, os detentores do poder não falham um funeral, onde se apresentam com caras circunspectas, distribuindo e recebendo cumprimentos como se a campanha eleitoral já estivesse em marcha. É preciso assegurar o voto dos vivos que o dos mortos é certo…



Até Breve
Publicado no jornal"Tribuna Valpacense" em 17 de Fevereiro de 2009

1 comentário:

Anónimo disse...

Nada como mais uma bela crónica para animar a malta em tempos de crise.
Mais umas vez parabéns ao autor.